Sentei-me num banco da praça e permaneci por duas horas. Ainda estava dia, e quando me levantei já era noite. Uma noite imperceptível, como tantas outras.
Em cidades pequenas a rotina se torna mais visível. A rotina se revela inteira, sem vergonhas ou segredos, diante dos nossos olhos. As grandes metrópoles também são pontuadas pela rotina, mas nas cidades pequenas não podemos desviar os olhos dela. É impressionante; tudo o que você vê, você já viu antes.
As pessoas parecem ligadas por telepatia, como uma grande esponja, uma colônia de bactérias, bactérias que juntas tornam-se uma única forma de vida... e bóiam pela água parada, rastejando pelo limo, procurando comida. Como se suas mentes estivessem conectadas umas às outras pela corrente psíquica da rotina.
Subitamente, as ruas vazias se encheram de gente. As pessoas apareceram no mesmo horário; pontuais. Um batalhão de formigas marchando em direção às ruas, todas exatamente no mesmo instante. Era engraçado o modo como as pessoas pareciam ter combinado para surgir naquele mesmo momento. Suas mentes funcionavam como um relógio.
Olhei para um local qualquer de uma esquina qualquer e lá estava o sujeito que todas as noites, no mesmo horário, aparecia por lá e se recostava no poste. Então olhei para os lados e me deparei com os mesmos rostos, sentados nos mesmos bancos, virados para a mesma direção. Era horrível e cômico ao mesmo tempo. Eles não podiam evitar. Eram peças no grande tabuleiro da Rotina.
Você deve estar se perguntando, “por que diabos não fazem alguma coisa para mudar essa condição miserável?” Cara, não seja tão duro com as pessoas. Não vamos condená-las, tá legal? Além do mais, VOCÊ também faz parte do esquema da rotina, e EU também. Não estou salvando os nossos rabos!
Mas não fique aí imaginando que as pessoas não pensam em grandes mudanças. Elas pensam, mas a questão é que as grandes mudanças em que pensam hoje são as mesmas grandes mudanças em que pensaram ontem. Até as mudanças e as guinadas são consumidas pela rotina.
Os carros pareciam iguais e cruzavam as esquinas com seus motores possantes, sempre ultrapassando os mesmos sinais vermelhos. Sabiam que não chegariam longe, por isso não esperavam muito da vida. As conversas da garotada que se aglomerava à minha frente eram as mesmas conversas de todas as noites, e eram acompanhadas por risadas que explodiam exatamente nos mesmos instantes. Se me afastasse deles e me aproximasse do pessoal mais velho, escutaria as mesmas lamentações, as mesmas indignações; todos aqueles ditos adultos com os mesmos problemas. Todos sem cabelos, sem dentes, sem visão, sem sentido, sem esperança, tagarelando com suas vozes tediosas. Nas metrópoles essas coisas se espalham ao longo da orla marítima e dos arranha-céus, nas cidades pequenas fica tudo diante do seu nariz.
Pensei, “que droga, não consigo parar de pensar na rotina, exatamente como faço todos os dias!”. Talvez a rotina seja necessária, seja uma forma de garantir que a chatice será perpetuada através das eras, exatamente como as baratas.
Então apareceu aquele sujeito atravessando a praça: gordo como uma baleia, meia-idade, uma barba gordurosa no rosto, os olhos pequenos atrás dos óculos, os cabelos emaranhados. Carregava uma porção de embrulhos. Tropeçou nos próprios pés e caiu de barriga no chão. Os embrulhos voaram para todos os lados. Sua bunda ficou aparecendo, suada e branca, e os olhos arregalaram quando os embrulhos rolaram pelo chão. Disparei a gargalhar, até que as lágrimas escorressem pelas minhas bochechas. Algo tinha quebrado o esquema.