As pessoas costumam se preocupar com problemas pequenos. Pra falar a verdade, quase sempre nos preocupamos com problemas pequenos. E não estou me excluindo de nada, acho que sou o mestre das dores de cabeça, dos torcicolos, das taquicardias e agonias, por coisas pequenas, coisas sem importância. Mas afinal, não é sempre assim? As grandes tragédias são grandes apenas na televisão, mas não são capazes de nos arrebatar. Eu sei, é duro de ouvir, mas que é verdade, é.
As grandes tragédias estão aí, por toda parte, sempre distantes. Bombas explodindo na aridez dos desertos, epidemias infestando vilarejos africanos, a vida correndo frenética e as dores de todos os miseráveis. Em qualquer canal de tevê, em qualquer conversa de botequim, o que não falta é grande tragédia. Mas no final, o que nos deixa com enxaqueca, o que endurece nosso pescoço, são as pequenas coisas, os nossos próprios egoísmos. Dedicamos nossa solidariedade às grandes tragédias, e até nos indignamos com elas nas mesas dos jantares sociais, mas não perdemos o sono pelos grandes problemas. Eles fazem parte do nosso lado racional, mas não do emocional. E se você disser que não é verdade, se disser que perde o sono e se remói com as grandes tragédias, está mentindo.
No fundo, somos como Hamlet. Garotinhos mimados fazendo pirraça porque a mamãe se casou de novo. Somos como Hamlet e todos os personagens do velho Will: pessoas comuns, com vidinhas comuns e problemas comuns... E chorando por causa disso.
As maldições do homem comum são sempre pequenas, banais, se prefere chamar assim. É a falta de trocado para o ônibus, o tédio de um final de semana, o calor numa tarde de trabalho árduo, o amor banalizado por historinhas baratas e a decepção por descobrir que ninguém cabe nos seus sonhos. São os nossos problemas. As bombas arrebentando com o deserto? Simplesmente falamos “é uma pena, não?”. Mas claro que ninguém vai admitir. Ninguém quer se passar por um tremendo canalha.
E mais uma vez me deparo com o fim do ano, e me concentro nas bombas atômicas que ardem nos porões, nas pestes extinguindo o ser humano, e digo “está tudo errado”. Digo “é uma pena, não?”. Fecho a janela e me espreguiço, relaxando o pescoço imobilizado por um torcicolo, e digo a mim mesmo que preciso parar de me preocupar tanto. É estranho, mas acho que as bombas não foram as responsáveis pelo meu torcicolo, nem mesmo a miséria dos países do terceiro mundo. Estou com o pescoço endurecido pelos pequenos problemas. Eles acabam comigo. E tem muita gente como eu por aí, tomando aspirina, tentando relaxar o pescoço, tirando um cochilo ou procurando ar puro, e não estão pensando nas grandes tragédias. São os frutos dos problemas pequenos. Pequenos Hamlets vagando pelo mundo. Um bando de gente coitada que, como disse Cazuza, chora sozinha num banheiro sujo.
Então, o meu toque pra você, meu amigo, é que nesse fim de ano procure se preocupar um pouco menos com os problemas pequenos. Você está sem grana, mas está vivo. Ela não te ama, mas você ainda pode se olhar no espelho todas as manhãs. Já se cansou da decoração da sua sala de estar, mas ainda virão mais salas para você estar.
Esse é o meu toque. Não vou dizer para você se preocupar com as grandes tragédias, apenas para se preocupar um pouco menos com as pequenas, porque assim as grandes passarão a fazer sentido, e deixarão de ser apenas um tópico nos jantares bacanas. Quem está dizendo isso é um cara com torcicolo, um cara que se preocupa demais com problemas pequenos.
Quem sou eu
- Daniel Frazão
- Uma alma morta porém ressuscitada. Um soldado maníaco com uma metralhadora que cospe fogo e palavras. E nas guerras das palavras eu sou veterano. Eu sou o homem-tigre. Somewhere in hell, i'm still typing.
domingo, 17 de maio de 2009
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