Era a primeira vez que eu via uma leitura de poesia de manhã. De qualquer forma, era a primeira vez que eu via uma leitura de poesia. Não estava esperando grande coisa, e só compareci porque tinha sido organizada por um amigo, e era na sua casa. O tipo de compromisso que se vai mais por obrigação do que por vontade própria; aliás, como quase todos os compromissos.
Sentei-me numa cadeira e me estirei, tentando ficar incauto, torcendo para que ninguém me chamasse para ler um poema. Esperando para que começasse a tal leitura.
As pessoas chegavam aos poucos, cumprimentavam o anfitrião, mostravam alguma folha de papel amassada e sentavam numa das inúmeras cadeiras espalhadas pela sala. Meu estômago roncava, porque não tinha tomado café da manhã. Droga de leitura de poemas pela manhã!
Todos aplaudiram quando o primeiro poeta subiu no pequeno tablado. Eu não o conhecia, quer dizer, nunca tinha falado com ele. Era um sujeito com cara de fuinha, vestia um blazer cinzento e equilibrava os óculos enormes na ponta do nariz. Não devia passar dos vinte e poucos e já parecia um corretor de imóveis escrito e escarrado. A fuinha esperou com ansiedade para que os aplausos amainassem e então começou a declamar:
_ Vejo o teu cálido amor nas cores do arco íris... – e seguiu declamando.
Não prestei muita atenção no que ele dizia, apenas me concentrava no modo como os óculos balançavam na ponta daquele nariz. Então entrou o segundo poeta. Vestia um jeans surrado e calçava sandálias franciscanas. Era um moleque de dezenove anos, de cabelos longos e costeletas. Não deve ser ruim, pensei. Começou a declamar, feito uma hiena.
_ A ALVORADA, TÃO LINDA! O HORIZONTE, TÃO AZUL! COMO SÃO BELAS AS TUAS COLINAS! – e por aí vai.
Depois entrou outro e outro e outro e outro. E era sempre a mesma história. Uma espécie de revezamento entre relvas, horizontes, amores, rochas, lindezas, golfinhos e planícies.
Pensei comigo mesmo “meu Deus, estou cercado de teletubbies!”.
E tive que agüentar, um por um, todos aqueles poetas teletubbies subindo no tablado e falando alguma coisa sobre algum animal silvestre que eles, por algum motivo, associavam com o amor e a beleza. Todos esses poetas guardavam suas imagens pueris nos bolsos, para os momentos de emergência. Era só uma questão de combiná-las em estrofes, variá-las no tom, nas imagens e nos desfechos.
Agora eu entendia o motivo da leitura ter sido feita de manhã: é esse o horário dos teletubbies! Assim que a tal leitura acabou saí correndo dali. Já era meio-dia.
Odeio o meio-dia. É a hora mais imbecil de todas. Odeio a claridade do meio-dia iluminando todo mundo. O modo como ela deixa à mostra cada ruga, cada cabeça careca, cada sorriso idiota, cada terno preto dos desocupados, cada zé mané esperando pelo ônibus. Não há música no meio-dia; não se escuta Dear Prudence tocando nas esquinas. Me sinto vazio, completamente perdido e sozinho, completamente desnudo num mundo sem qualquer espécie de sentimentos, onde todos se espremem sob o sol que clareia as vitrines. E não sei o que é pior, o meio-dia ou os poetas teletubbies. Mas talvez a questão não seja essa. Talvez um tenha nascido para o outro. Ou talvez não, talvez um acabe com o outro, mais cedo ou mais tarde.
Olhei para o relógio da praça e vi que fazia trinta graus. Quente. Os estudantes saíam das escolas e caminhavam em grupos pelas calçadas, todos rindo e papeando. Eram os únicos que pareciam não se importar. Sortudos. Imaginei até quando os teletubbies permaneceriam lá, naquela sala, com suas écharpes e seus elogios, fugindo do meio-dia.
Sentei-me numa cadeira e me estirei, tentando ficar incauto, torcendo para que ninguém me chamasse para ler um poema. Esperando para que começasse a tal leitura.
As pessoas chegavam aos poucos, cumprimentavam o anfitrião, mostravam alguma folha de papel amassada e sentavam numa das inúmeras cadeiras espalhadas pela sala. Meu estômago roncava, porque não tinha tomado café da manhã. Droga de leitura de poemas pela manhã!
Todos aplaudiram quando o primeiro poeta subiu no pequeno tablado. Eu não o conhecia, quer dizer, nunca tinha falado com ele. Era um sujeito com cara de fuinha, vestia um blazer cinzento e equilibrava os óculos enormes na ponta do nariz. Não devia passar dos vinte e poucos e já parecia um corretor de imóveis escrito e escarrado. A fuinha esperou com ansiedade para que os aplausos amainassem e então começou a declamar:
_ Vejo o teu cálido amor nas cores do arco íris... – e seguiu declamando.
Não prestei muita atenção no que ele dizia, apenas me concentrava no modo como os óculos balançavam na ponta daquele nariz. Então entrou o segundo poeta. Vestia um jeans surrado e calçava sandálias franciscanas. Era um moleque de dezenove anos, de cabelos longos e costeletas. Não deve ser ruim, pensei. Começou a declamar, feito uma hiena.
_ A ALVORADA, TÃO LINDA! O HORIZONTE, TÃO AZUL! COMO SÃO BELAS AS TUAS COLINAS! – e por aí vai.
Depois entrou outro e outro e outro e outro. E era sempre a mesma história. Uma espécie de revezamento entre relvas, horizontes, amores, rochas, lindezas, golfinhos e planícies.
Pensei comigo mesmo “meu Deus, estou cercado de teletubbies!”.
E tive que agüentar, um por um, todos aqueles poetas teletubbies subindo no tablado e falando alguma coisa sobre algum animal silvestre que eles, por algum motivo, associavam com o amor e a beleza. Todos esses poetas guardavam suas imagens pueris nos bolsos, para os momentos de emergência. Era só uma questão de combiná-las em estrofes, variá-las no tom, nas imagens e nos desfechos.
Agora eu entendia o motivo da leitura ter sido feita de manhã: é esse o horário dos teletubbies! Assim que a tal leitura acabou saí correndo dali. Já era meio-dia.
Odeio o meio-dia. É a hora mais imbecil de todas. Odeio a claridade do meio-dia iluminando todo mundo. O modo como ela deixa à mostra cada ruga, cada cabeça careca, cada sorriso idiota, cada terno preto dos desocupados, cada zé mané esperando pelo ônibus. Não há música no meio-dia; não se escuta Dear Prudence tocando nas esquinas. Me sinto vazio, completamente perdido e sozinho, completamente desnudo num mundo sem qualquer espécie de sentimentos, onde todos se espremem sob o sol que clareia as vitrines. E não sei o que é pior, o meio-dia ou os poetas teletubbies. Mas talvez a questão não seja essa. Talvez um tenha nascido para o outro. Ou talvez não, talvez um acabe com o outro, mais cedo ou mais tarde.
Olhei para o relógio da praça e vi que fazia trinta graus. Quente. Os estudantes saíam das escolas e caminhavam em grupos pelas calçadas, todos rindo e papeando. Eram os únicos que pareciam não se importar. Sortudos. Imaginei até quando os teletubbies permaneceriam lá, naquela sala, com suas écharpes e seus elogios, fugindo do meio-dia.
para Charles Bukowski
(i miss you as hell)
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