
Lá estava eu, na rua, numa noite de chuva e calor, encharcado e sem guarda-chuva, enquanto ele me falava sobre o quanto eu me encaixava no perfil dos românticos...
_ Você tinha que ter conhecido esses escritores! Olha só, você é jovem, não se importa com as regras literárias, está sempre admirando musas inatingíveis e escreve! Você é um poeta romântico! – ele disse empolgado.
Fiquei na minha e não respondi nada. Não falei para ele que não me considerava tão jovem e que não descartava todas as regras literárias e que minhas musas não eram inatingíveis. Não falei nada disso. E, claro, também não o lembrei do absinto. Eu não bebo absinto, o que me deixa de fora da categoria dos românticos.
O cara estava realmente muito empolgado com toda aquela conversa. Falava e gesticulava como se estivesse diante de uma espécie rara de animal, o último de uma espécie já extinta ou algo assim. Acho que, na verdade, apenas se divertia com a possibilidade de conversar com um poeta romântico. Eles sempre se divertem.
Depois de alguns minutos de conversa tediosa, deixei-o para trás e fui vagar por outras bandas. Sentei debaixo de uma marquise, esperando a chuva passar, e continuei pensando nas coisas que o sujeito tinha falado.
Não concordava com nada. Não entendia a maneira como ele me comparava com os poetas românticos, que não são nem mesmo os meus preferidos. Sempre achei uma babaquice da parte deles o fato de se enterrarem em tavernas e morrerem de tuberculose só porque “meu pai quer que eu me forme” e “ela não me ama, oh, oh, ela é tão linda!”. E acima de tudo, nunca entendi como agüentaram calados toda aquela esculhambação por parte dos parnasianos. É, não passavam de verdadeiros babacas.
Prefiro os surrealistas e os dadaístas. E os simbolistas. Preferia ser comparado a Rimbaud que um belo dia olhou para a literatura e disse “quer saber? que se dane!”, e foi embora para o deserto. Melhor do que morrer na calçada, embriagado de absinto. De qualquer forma, não gosto desse negócio de corrente literária. Correntes são correntes, e acabam te prendendo.
Duvido que um simbolista se achasse um simbolista, e que um dadaísta se achasse um dadaísta e, muito menos, que um romântico se achasse um romântico. Ora bolas... dizemos que Rimbaud é simbolista só porque enxergava bebedeiras nos navios? Por acaso um barco não pode estar bêbado? E quanto aos dadaístas? Eram dadaístas apenas porque gostavam de picotar a poesia e atirar tudo para o ar? Poesia é poesia, picotada ou não! Se você quer transpassá-la com uma lança, ninguém pode te impedir! Transpasse-a com uma lança! Os românticos também não estavam preocupados em serem poetas românticos, eram apenas moleques com dor de cotovelo!
Fiquei pensando nessas coisas debaixo da marquise, enquanto a chuva desaguava. A inutilidade das correntes literárias me atormentava, e sentia vontade de rasgar em mil pedaços cada livro sobre literatura que existe no mercado.
Depois de um tempo encontrei o sujeito que gosta dos românticos, e então falei:
_ Você se esqueceu de um detalhe.
_ É mesmo? O quê?
_ Os poetas românticos morriam adolescentes.
_ E daí?
_ Eu estou vivo.
Pronto. Não havia mais dúvidas a respeito de minha identidade literária. Eu não era um poeta romântico. Eu sou um poeta vivo. E muito vivo.
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