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Uma alma morta porém ressuscitada. Um soldado maníaco com uma metralhadora que cospe fogo e palavras. E nas guerras das palavras eu sou veterano. Eu sou o homem-tigre. Somewhere in hell, i'm still typing.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

INDIGESTÃO

Estou de saco cheio da cidade. Os minutos que desperdiço pelas tardes de calor, cumprimentando amigos e cruzando esquinas, são atirados dentro do esgoto. E as pessoas os acompanham. Elas afundam no esgoto, mergulham nesse lamaçal de cumprimentos e sorrisos e esquinas, atrás dos seus preciosos e desperdiçados minutos.
Também estou de saco cheio de transitar pelas mesmas vitrines e semblantes e subitamente arranjar alguma coisa para fazer e depois olhar para o relógio central, esperando que os minutos passem e a noite tombe em Friburgo, destruindo o sol e a agonia. Mas a espera só me traz mais sorrisos, mais piadas sem graça e histórias inacabadas.
Sabe o que me deixa de saco cheio? São os sujeitos que me entregam panfletos quando estou cruzando uma calçada. Eles cercam as calçadas com suas muralhas humanas e vasculham a psique de cada transeunte, como verdadeiros magos. Estou lá, passando rente às vitrines, quando de repente me chega um desses sujeitos estendendo folhetos a respeito de todo tipo de assunto imaginável, sem nem ao menos me dar a oportunidade de recusar ou gritar ou sei lá o quê. Mas sabe o que me deixa mais fulo ainda? São os sujeitos que entregam panfletos para todas as pessoas que cruzam as calçadas e no exato momento em que estou passando não me entregam nada. Droga, se o cara está entregando seus malditos panfletos para todos os transeuntes, por que não entrega a mim quando passo? O que é? Não sou bom o bastante para os seus panfletos idiotas? Por acaso seus panfletos guardam algum tipo de informação secreta e valiosa que eu não possa ler, ao contrário do restante da população?
As vitrines que não refletem ninguém que eu queira encontrar; isso também me deixa de saco cheio.
Às vezes, tudo o que temos são tardes que enchem o saco e noites que enchem o saco. Às vezes não temos nada a falar para o mundo, exceto o nosso próprio asco. Às vezes a poesia acaba e não conseguimos encontrar os sentimentos, procuramos pelo amor, pelo ódio, pelo medo e pela fome, e não achamos nada. Às vezes tudo o que sentimos é uma tremenda indigestão. E então abrimos um folhetim qualquer e nos deparamos com algum poeta apaixonado ou outro idiota qualquer que queira nos vender um pouco da sua melodia cor-de-rosa em baratas prestações, talvez numa encadernação luxuosa da mais pura auto-ajuda. E só o que podemos fazer é sorrir com desprezo e ficar sem entender como é que alguém tão idiota, com um papo tão idiota, pode estar ali, na sua frente, numa folha de papel ou tela de televisão, tentando te enganar com um sorriso besta. Daí você olha para o lado de fora da janela e vê uma cidade cinzenta com pessoas tristes e derrotadas e de vozes mudas, e sente o cáustico saco cheio corroendo por dentro. E então dá um arroto e se arruma para ir trabalhar.
Dias assim, que te despejam decepção na cabeça, são mais comuns do que pensam os poetas. Dias assim me encontram na esquina, e te encontram na esquina, meu amigo, e encontram quase todo mundo na esquina. Não são os únicos dias que existem, mas sem dúvida são dias que existem.
Às vezes, a única poesia que você pode escrever é sobre o cara que dormiu debaixo do toldo, com a cara atolada no prato, é sobre a velha que espera o ônibus num beco desolado, é sobre o garoto solitário que volta pra casa a pé numa noite de sábado porque não passa ônibus de madrugada, é sobre as ruas molhadas brilhando com a chuva que inundou a cidade de lama, é sobre a janela aberta de manhã, sem horizontes, sem prédios ou gente, é sobre o saco cheio.

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