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Uma alma morta porém ressuscitada. Um soldado maníaco com uma metralhadora que cospe fogo e palavras. E nas guerras das palavras eu sou veterano. Eu sou o homem-tigre. Somewhere in hell, i'm still typing.

domingo, 17 de maio de 2009

QUERO SER O SEU CACHORRO


Há certos dias em que você escreve na calada da noite. Ao som dos Stooges, com Iggy Pop berrando no seu ouvido que agora ele quer ser o seu cachorro. Dias assim estão repletos de baboseiras. São dias de tardes ensolaradas. Dias tediosos de carros que cruzam as avenidas como baratas de metal e pessoas observando vitrines decoradas para o Natal (rimou, não é?). Nesses dias não existem sentimentos, apenas sensações, sensações de que de alguma forma estamos existindo. Apenas existindo. Sensações que se confundem com o calor insuportável.
E hoje sou um sobrevivente desses dias. Não sou um artista, nem mesmo um escritor, sou apenas um sujeito que repara demais em tudo o que acontece. E no “nada absoluto” que insiste em acontecer. Qualquer desocupado, com os olhos um pouco mais abertos, seria capaz de escrever sobre esse tipo de coisa. Vocês sabem, baboseiras. As baboseiras que provocam ânsias de vômito.
Pense em mim como um vira-lata, ou um urubu, se preferir. Alguém que escreve sobre aquilo que os outros jogam fora, junto com os restos e as sobras. É isso o que sou, alguém que fuça na lixeira dos poetas e pega o lixo. Carrego na minha boca cheia de baba os dias ensolarados das baboseiras. Corro pelas ruas com o lixo pendendo nos meus dentes, diante de olhares indignados, de caras de nojo. Alguns me enxotam, dizendo “Passa! Passa!”. Naturalmente que com medo de mim e da minha sujeira.
Faço isso porque alguém tem que fazer, não é? Ou será que somente os trágicos heróis, os finais felizes, os horizontes dourados e as musas são dignos de textos? Acho que não.
Então, meus amigos, por favor, não me peçam um final feliz. Não me perguntem sobre as musas. Porque senão vou ser obrigado a lhes dizer que as musas não são inatingíveis e não flutuam pelo céu azul. Elas estão atravessando as calçadas, pedindo um trocado no meio-fio, tomando um soco na boca do estômago, suando em bicas debaixo do sol escaldante ou pedindo para ser o seu cachorro. Essas são as musas que os artistas colocam num saco plástico e entregam para o caminhão de lixo.
Essas são as musas que ofereço a vocês. Musas das quais se escreve na calada da noite.
E depois ainda tem gente que diz por aí que o mundo está carente de musas. Bah! Grande piada! O mundo está repleto de musas. Ele está carente é de poetas. Os poetas e artistas acabaram se transformando em pessoas que acordam às dez horas da manhã e colocam o lixo no lado de fora, reclamando do calor e amaldiçoando o mau cheiro. Tudo em prol da arte – é o que eles gostam de dizer.
Comigo não. Não quero ser artista, colocar o lixo para fora e ficar dentro de casa admirando musas de cristal. Prefiro ser um cachorro, um cachorro vira-lata vadiando pelo mundo, que sai por aí revirando latões e abocanhando restos.
Aqui estou eu, no dia em que morreu o cara da Palestina, falando a respeito de Iggy Pop e de como ele pede ao mundo para ser o seu cachorro.
Isso me lembra de uma crítica que recebi um dia desses. Um sujeito muito distinto, o tipo do cara que bota o lixo para fora todas as manhãs, me disse que eu era um idiota, que só escrevia baboseiras. Talvez ele esteja certo. Mas, pensa bem, se baboseira fosse poesia, eu seria Shakespeare. E meu amigo, se quer saber de uma verdade, talvez baboseira seja poesia.

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