Quem sou eu

Minha foto
Uma alma morta porém ressuscitada. Um soldado maníaco com uma metralhadora que cospe fogo e palavras. E nas guerras das palavras eu sou veterano. Eu sou o homem-tigre. Somewhere in hell, i'm still typing.

domingo, 17 de maio de 2009

O AMOR É UM ÔNIBUS LOTADO

Muita gente se apaixona. Muita gente ama, é o que diz qualquer programa vagabundo na tv. Muita gente espera sozinha, ansiosa, na porta do colégio, até tocar a sineta... e depois perde a hora do almoço. Muita gente senta no meio-fio, sentindo o estômago revirar por dentro. E muita gente ensaia palavras; as escreve num papel e decora ao longo da tarde, antes de pegar no telefone. Não sei, pra mim isso me lembra uma multidão sufocada. Então agora vou falar para essas pessoas. Vou cantar um blues.
O amor é como um ônibus lotado. Você espera e espera, debaixo do sol da tarde, enquanto os carros passam pela estrada na direção de qualquer lugar. Você não é o único. Outros esperam com você. Esperam pelo amor, pelo ônibus lotado, para saltar no ponto errado. Apenas um bando de pobres coitados com os rostos murchos de tanto esperar. E ele chega, ele sempre chega, o amor, esse ônibus enferrujado soltando fumaça preta pelo carburador... chega atrasado.
Você é o último da fila; conta os trocados e se espreme na multidão suada que luta para sobreviver, que quer apenas chegar ao seu destino e saltar em algum lugar que possa chamar de lar. Todos gritam e dividem o mesmo ar abafado. Estão sufocados pela mesma agonia, mas não podem fazer nada. Não podem sequer abrir as janelas. Não há nenhum assento vazio, nenhum lugar onde possam sentar. Você vai ter que se agüentar em pé, xará, e rezar para que a viagem não seja longa. Rezar para que a viagem não seja para algum lugar nenhum. Mas todas as viagens são longas quando estamos num ônibus lotado.
Lá fora cai uma chuva torrencial, uma chuva que inunda a cidade, e você se pergunta se ela não seria melhor do que o inferno quente e abafado que te engole vivo. Não, não seria melhor. Ao menos o seu inferno é um inferno em movimento. Um ônibus lotado; repleto de passageiros caindo por cima de você como uvas podres e respirando diante do seu nariz, com o hálito seco dos miseráveis. Enfim, pessoas como você, que se agüentam em pé, esperando por um lugar vago.
Você olha pra trás e enxerga a cidade que se torna menor, que desaparece no fundo do horizonte. Agora você está sozinho, sozinho nessa multidão de solitários, rumo a qualquer lugar. Tudo é estrada. E por um momento você desconfia de ter entrado no ônibus errado. Talvez ele não pare no seu ponto, talvez continue andando para todo o sempre, buscando pessoas cansadas em pontos vazios. Talvez o amor não tenha destino certo. E talvez ele não se importe com a chuva que desaba sobre a cidade.
É isso o que penso quando falam de amor. Ou melhor, talvez não, mas é o que estou pensando agora, enquanto me seguro nesse ônibus lotado que vai ao centro da cidade. Igualzinho ao amor, foi o que pensei. Igualzinho a isso que todos esperam em seus pontos desertos, ao longo da tarde, segurando sacolas que marcam suas mãos e limpando o suor com a manga da camisa.
E não sei por que escrevi sobre um tema tão manjado. Detesto temas manjados, e não gosto de parecer meloso. Mas acho que dessa vez fui meloso.
Então é isso. Esse foi o meu blues. Meu amigo, o amor é uma viagem lotada, lotada de gente igual a você, gente cansada que não quer esperar muito. Uma multidão em pé, compartilhando ilusões e esperanças, roçando o suor numa nojenta agonia. Você olha pra frente e encontra uma cadeira vaga; agora é a sua vez, pode comemorar. É, o amor é exatamente como um ônibus lotado. Quando finalmente você consegue uma cadeira, é obrigado a ceder o lugar para alguém mais velho, mais doente e mais cansado que você.

Um comentário: