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Uma alma morta porém ressuscitada. Um soldado maníaco com uma metralhadora que cospe fogo e palavras. E nas guerras das palavras eu sou veterano. Eu sou o homem-tigre. Somewhere in hell, i'm still typing.

domingo, 17 de maio de 2009

SAPATOS DE BARRO



Hoje vou contar uma das antigas. Ainda estava na escola, na sexta ou sétima série. A professora passava de carteira em carteira recolhendo poemas. Sim, poemas. Um concurso literário que todo mundo era obrigado a participar. Caso não quisessem tomar um zero no boletim, todos tinham que entregar um poema.
Não ligava muito para poemas. Minha atenção estava voltada para a menina mais linda da classe. Gostava dela, só que não tinha coragem de me aproximar.
Na verdade, não dava a mínima para poemas. No entanto, não queria encarar uma temporada no grupo seleto dos “alunos em recuperação”, e então me desesperei quando vi a professora recolhendo os malditos poemas. Eu não tinha escrito nada! Nem uma única linha! Nem uma droga de uma estrofe! E precisava de um poema, custasse o que custasse! Arranquei uma folha do caderno e comecei a escrever qualquer coisa que me vinha à cabeça (não sabia na época, mas esse método me acompanharia pelo resto da vida).
O primeiro título que pensei foi “Sapatos de Barro”. Resolvi adotá-lo, já que de qualquer maneira não conseguiria pensar em nada melhor. Agora só faltava escrever alguma coisa que se encaixasse no título. Então comecei a escrever frases como “...ele calçava sapatos sujos de barro...”, inteiramente movido pelo desespero. Versos são fáceis de escrever, ao menos quando se está desesperado.
A professora se aproximava cada vez mais. Minha sorte é que eu estava sentado na última carteira da última fileira, caso contrário jamais teria conseguido terminar a tempo.
Estava pronto! Meu primeiro poema, Sapatos de Barro, estava pronto, e não me orgulhava dele! Apenas suspirava aliviado por ter escapado do enorme zero vermelho no meu boletim.
Não era lá muito bom. Alguma coisa sobre um garoto que tinha sapatos sujos de barro e que um belo dia consegue fama e fortuna, mas acaba sentindo saudades dos velhos sapatos sujos de barro. Nada de mais, apenas besteira pueril de pré-adolescente.
Entreguei a droga do poema e procurei esquecer do assunto. Poesia era coisa do passado. Coisa de mulherzinha.
Alguns dias depois fiquei sabendo que o tal do “Sapatos de Barro” tinha sido classificado no tal do concurso literário. Disseram que eu teria que comparecer na premiação, porque eu podia ganhar. O poema estava definitivamente me metendo em encrencas. Agora perderia a noite de sábado, assistindo a uma premiação que provavelmente não me renderia nem mesmo o troféu abacaxi.
Mas o negócio é que o “Sapatos de Barro” ficou entre os finalistas e acabou ganhando o tal concurso. Primeiro lugar.
Levantei da cadeira sem acreditar no que tinham acabado de fazer. Dar o primeiro lugar a um poema escrito às pressas por um garoto que apenas queria se livrar da recuperação era realmente uma tremenda doideira! De qualquer forma, eu é que não recusaria um troféu. Duvido que fossem capazes de me colocar em recuperação, agora que eu tinha o primeiro lugar.
Ainda guardo o troféu na minha estante, um negócio de mármore onde se lê “primeiro lugar do festival literário do ano tal”. Guardo-o como um amuleto. Um amuleto para atrair inspirações, para me lembrar de que as melhores idéias às vezes surgem nas piores circunstâncias. Surgem sem pretensões, surgem desclassificadas, enquanto você presta atenção na menina mais linda da classe.
Ainda tenho o troféu. Mas não tenho o poema. Não importa.

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